CinemArchitecture: seminário internacional

Decorreu nos dias 7 e 8 de Abril na Faculdade de Arquitectura o seminário internacional CinemArchitecture, que precede o workshop com o mesmo tema a deocrrer nas próximas duas semanas [kiko: go for it!].


A possibilidade da arquitectura usar o cinema como mais uma forma de representação: o cinema/vídeo podem servir a arquitectura, como serviram até hoje o desenho e as maquetas, depois o desenho e as maquetas assistidas por computador, até às animações digitais. Podemos admitir que seria quase a evolução lógica a seguir, usar o filme como mais um suporte de representação. François Penz, professor da Universidade de Cambridge, passou a exemplificar, com a apresentação dum projecto de arquitectura a partir de animações digitais, como estes suportes são cada vez mais úteis (ou devem ser) para se comunicar uma imagem cada vez mais exacta e realista do projecto. Contudo, como o mesmo referiu, estes meios têm algumas falhas: enquanto a imagem do edifício é bastante satisfatória, a noção real do percurso, da percepção que o utilizador teria a percorrer o mesmo vector, ainda carece aperfeiçoamento (relembrar experiências de Desenho Assistido por Computador no 2º ano, e a câmara a atravessar paredes, pilares, o movimento que soava a falso da imagem).




(não foi este o vídeo apresentado na conferência. retirado do youtube)


Usar o cinema para representar a arquitectura, é aliar representação com interpretação. A imagem filmada é, sem dúvida, o formato mais realista que temos nos dias de hoje para reproduzir um objecto – esperamos ansiosos pelo momento em que os nossos filhos cheguem a casa a dizer “Mãe, hoje fui a uma conferência lá na faculdade chamado Virtual-Reality-Architecture!”, mas até lá…
Esta representação realista, está impregnada de sentido interpretativo e/ou poético e/ou artístico. Dá-nos a noção mais verdadeira e sincera da arquitectura. Faz uma coisa que (oh, e agora os engenheiros que dizem: “a conclusão a que toda a gente chegou foi que cinema e arquitectura não têm nada a ver! Não foi?!” vão ter uma surpresa…) mais nenhuma forma de representação consegue fazer, nunca nesta dimensão e rigor: introduz o elemento humano na arquitectura (já para não falar do poético) duma maneira avassaladora. Permite-nos ter a noção de como o espaço vai ser ocupado e transformado, pelos seus utilizadores e como esta os vai transformar.
A arquitecta Adriana Salvat, de Barcelona, apresentou o seu trabalho de campo duma perspectiva antropológica da arquitectura e do vídeo. Os seus documentários exploram coisas arquitectónicas e urbanas, mas filmadas expondo as alterações que estas sofreram ao longo do tempo pelas pessoas que as vivem, e as alterações que estas provocaram nas mesmas. De notar a interessante experiência que a arquitecta apresentou, onde podemos ver duas imagens em simultâneo: de um lado, a imagem da câmara de um adolescente ao entrar no cybercafe do seu bairro e entrevistando as pessoas que lá estão; do outro, a imagem da câmara do antropólogo que o segue, qual sombra, sem se manifestar. Até os engenheiros do “ah não tem nada a ver” vão gostar desta parte: a arquitecta Adriana Salvat apresenta ainda uma experiência em que se dirigiu a uma zona rural para filmar como se constrói com taipa de pilão (termo que vos deve ser querido e por isso não necessita de explicação…), e conclui de forma entusiasmada como as pessoas de um meio rural se soltaram em frente à câmara, a presença desta incentivou até a interacção, permitindo assim um conhecimento extremamente completo de um sistema construtivo. (engenheiros: contentes?)






Paralelamente existe a noção poética que uma imagem cinematográfica pode produzir da arquitectura. (engenheiros, saltem os próximos 5 parágrafos!) Não só a riqueza da imagem, pelo uso da luz, do contraste e dos enquadramentos, mas também o som e o movimento levam a experiência arquitectónica a uma nova dimensão. Surge uma multiplicidade de possibilidades.

Os enquadramentos, que nos apresentam sempre secções da realidade, por um lado limitam a nossa atenção para um espaço que é ricamente representado, por outro, o que não aparece na imagem é apenas sugerido, deixando ao potencial criativo de cada espectador imaginar possíveis hipóteses para os restantes espaços. O uso da luz, do contraste - da fotografia - sugerem-nos uma forma de ver o espaço extremamente rica. Experimentamos um espaço através da perspectiva empírica de outra pessoa (o cineasta), permite-nos entrar dentro da experiência/impressão arquitectónica que outra pessoa teve de um edifício.


Metropolis, Fritz Lang, 1927.

A montagem é um dos aspectos em que surgem interessantes paralelismos (que talvez possamos chamar “técnicos” ou “construtivos”…) entre as duas formas de arte. (posso usar o termo «arte» para designar a arquitectura porque os engenheiros pararam de ler há 2 parágrafos atrás!) O arquitecto Manuel Graça Dias apresentou uma série de comparações que foram mais ou menos constantes ao longo das palestras. A mudança de planos (cinema) e os elementos de transição entre superfícies: os rodapés, os lambris, as sancas, os perfis… ou, o genérico enquanto elemento de transição interior/exterior: o genérico prepara a pessoa que vem dum elemento diferente para entrar agora num ambiente específico, que lhe é desconhecido, prepara-a para a mudança de ambiente e permite-lhe entrar, de forma suave… (agora substituir «genérico» por «espaço de transição»:é igual! Ah!...) Por outro lado, a forma como o cinema apresenta a acção é muitas vezes (do nosso ponto de vista de arquitecto que estamos sentados no escuro com o som nas alturas com imagenzinhas gigantes que mexem à nossa frente e um balde de pipocas no colo e uma Coca-Cola gelada na mão e - mesmo assim - damos por nós a lembrarmo-nos da arquitectura…) semelhante à nossa maneira de apresentar a arquitectura. A aproximação gradual aos espaços do mais geral para o particular: desde a perspectiva aérea da cidade, passando pela rua onde mora (está implantada a casa) o personagem, subindo até ao piso onde este mora, filmando o quarto, acabando na pinga de suor que lhe escorre pela testa… (quem é que apanhou a referência?)




The Rope, Alfred Hitchcock, 1948.


O movimento foi talvez o primeiro grande motivador do uso do cinema em função da arquitectura. Necessidade que se percebe pela importância de um elemento arquitectónico: o percurso. A arquitectura é feita de percursos, todos sabemos. Le Corbusier, foi o primeiro arquitecto a compreender as mais-valias do cinema para a arquitectura e como este é o melhor meio para explorar a “promenade architectural”. Do vídeo de Le Corbusier, por volta da década de 20, até ao filme Elephant de Gus Van Sant, vai quase um século. E exemplos de arquitectos que usem o cinema/vídeo para representarem os seus edifícios, não existem muitos… o que existem são exemplos notáveis de como o cinema pode transmitir um ambiente de uma forma que nem a experiência física no lugar consegue, experiências não só arquitectónicas mas emotivas, concentradas, poéticas, artísticas, ricas…

Os aspectos acima mencionados são evidentes e exacerbados neste excerto, onde a promenade architectural de Le Corbusier é transformada numa belíssima visão pessoal (neste caso até reforçada visto que temos o ponto de vista do realizador conjugado com o ponto de vista da personagem), dá-nos uma noção quase antropológica de como aquele espaço arquitectónico é vivido, e, ao mesmo tempo, um pequeno extra que é o uso genial da banda sonora, da luz, dos enquadramentos, do movimento da câmara, dos slow-motion… transformam este percurso numa experiência (também arquitectónica) realmente emotiva. E antes do excerto, fica a frase do arquitecto Luís Urbano, em tom de mote para reflexão: “eu nunca chorei ao entrar num edifício, mas já chorei a ver um filme.”




Elephant, Gus Van Sant, 2003.


Manuel Graça Dias terminou a sua palestra com a sugestão de 7 filmes (hurray!!), interessantes exemplos desta relação arquitectonicocinematográfica. Aqui ficam:


PLAYTIME, Jacques Tati
METROPOLIS, Fritz Lang
BLADE RUNNER, Ridley Scott
PULP FICTION, Quentin Tarantino
NORTH BY NORTHEAST, Alfred Hitchcock
2001 : A SPACE ODISSEY, Stanley Kubrik
WEEKEND, Jean-Luc Goddard



P.S.: E para quem argumenta que “é perfeitamente possível fazer arquitectura sem cinema”, lembrem-se que também é perfeitamente possível fazer casas sem arquitectura. :)

2 comentários:

margarida. disse...

já te disse que és brilhante? :)

acho que falo por todos aqueles que não tiveram (ou nao quiseram ter) "30 euros" para lá estar... lol
Meu amor.. isto é verdadeiro serviço público. :) Obrigad.

(ah! e tens resposta no meu blog.)

Lulu disse...

ahah :)
eu sei que está um pouco longo... mas este post foi mais para mim (para assentar as ideias) do que outra coisa qq.
eu acho que devias ter ido... oh engenheira. :P