She says...


"Não, não vou sair..." hoje era só eu e os meus demónios, acho que era esse o propósito inicial apesar de só o ter percebido agora, que já passou quase todo o tempo que tinha reservado para isso.
Apercebo-me destas coisas quando me deito de lado, a luz mexe e corre as paredes em círculos protectores com cavalos e borboletas e estrelas e meias-luas que crescem e mingam conforme contornam as esquinas e as superfícies em alçado das paredes do quarto, num amarelo que é dourado, dourado do cheiro do bolo acabado de fazer num dia de inverno em casa da avó.
Um dia vou-te voltar a encontrar, a Ani garantiu-mo, e agora que a outra não me diz estas coisas, é a Ani que me assegura que, um dia, te volto a encontrar: e a chuva há-de manchar o asfalto dum preto mais escuro, e há-de manchar os tijolos dum vermelho mais escuro, e tu hás-de te parecer com uma fotografia tua, tirada de muito muito longe..., e eu não hei-de ter nada para te dizer. Não existe sensação mais confortante que não ter absolutamente nada para dizer.
Entretanto o quarto está preto, a luz azul da televisão é a única que mexe, e eu pego no computador, crio uma pasta com as músicas todas que ela me passou ontem à tarde, e carrego no play...
- ...a que conclusão é que cheguei?!
[...]
- Acabei por não pensar nisso...



© foto: Simon Brambell em Sang Bleu

1 comentário:

margarida. disse...

está lindo. e não tentes explicar-mo porque eu nunca vou conseguir perceber essa tua capacidade e tendência para misturar esses todos ingredientes...doces, amargos e salgados....numa massa que em nada é homogénea,.. e sair.. assim, nisto... em fatias douradas.